Você sabia que o Museu Paraense Emílio Goeldi é responsável por uma das pesquisas mais antigas sobre os impactos das mudanças climáticas na Amazônia?
Gestores e pesquisadores ligados a museus no Pará estiveram no 4º Fórum Circular e reforçaram o papel dos museus na educação e trocas sociais para exercício pleno da cidadania
Instalada na Estação Científica Ferreira Penna, na Flona de Caxiuanã, entre os municípios de Melgaço e Portel, no Marajó, foi implantada como um desdobramento da Eco 92 (RJ). A experiência tem observado a desertificação da floresta, ao impedir a queda da chuva sobre o solo em parte da mata nativa.
“E nessa área, já há pontos de desertificação”, alertou a pesquisadora Sue Costa, coordenadora de Comunicação do Goeldi, que trouxe a informação para o debate sobre o papel dos museus frente à emergência climática, dentro do 4º Fórum Circular – Patrimônio, Clima e Sustentabilidade, realizado na última sexta-feira, 31 de outubro, na Casa da Linguagem.

O Goeldi, criado como um museu de história natural no século 19, não só tem uma das maiores coleções mundiais de biodiversidade da Amazônia como também é uma das principais instituições produtoras de ciência na região, surgida aqui antes das universidades. “Não tenho dúvidas de que vamos achar nesse grande banco de dados soluções para os problemas que vêm se apresentando”, completou Sue.
De acordo com a pesquisadora, isso não significa se colocar num lugar isolado como detentor de saberes: o Goeldi tem se construído cada vez mais como um espaço de diálogos, e também de protagonismo dos povos da floresta sobre sua própria realidade, disse Sue.
Para a pesquisadora, o museu é um espaço de narrativas coletivas, em um processo dialógico. “O Goeldi é declarado Terra Indígena [desde 2023] e os povos indígenas discutem conosco as curadorias, agenda de atividades. E muito antes de se falar em decolonialidade, desde a década de 1980, o Goeldi tem uma mulher indígena como curadora dos acervos etnográficos, a Suzana Karipuna”.

Museus: debate e construção de ideias
É também como um espaço de reflexão e debate que o museólogo Tadeu Costa, diretor do Museu da Universidade Federal do Pará e professor do curso de Museologia da UFPA – único na região Norte – enxerga o papel dos museus. “Entende-se hoje que museus não são somente acervo: o fato de ser um fórum crítico é importante. É um espaço de participação onde as pessoas são convidadas a refletir”.
Também participante da mesa de debates, Murilo Rodrigues destacou o Museu do Cicloativismo que ele dirige exatamente nessa perspectiva onde memórias e narrativas assumem maior importância. Recém-criado, o museu surge como um desdobramento do movimento pelo direito de ir e vir nas cidades usando a bicicleta.
Segundo os dados do IBGE apresentados por ele, Belém é a terceira que mais pedala no Brasil, com 12% da população usando bicicleta como meio de locomoção.
“O Museu do Cicloativismo é um museu de território, que é a cidade de Belém. Estamos construindo um acervo digital de documentos sobre o cicloativismo. A ideia é fazer a salvaguarda das manifestações do movimento e também para abraçar ações da agenda climática e social.”
Tadeu Costa apontou também um processo de mudanças positivas no Brasil rumo a uma nova concepção mais plural, inclusive nos acervos e instituições herdados dos colonizadores, em que os acervos estão sendo revistos e contextualizados com os valores do século 21. “A dinâmica dos museus no Brasil é muito forte. É difícil existir um museu hoje que não dialogue com a sociedade onde ele está colocado”, destacou.

Planos para aproximar escolas e museus
Dayseane Ferraz, pesquisadora e curadora do Sistema Integrado de Museus e Memoriais do Estado (SIMM) concordou, reforçando como grande responsabilidade dessas instituições ser espaços de educação, de ampliação de visão de mundo para a construção de um pensamento crítico.
“A cultura é um vetor de transformação e os museus não são supérfluos. Embora pese sobre o conceito de museu a ideia de deleite, o papel dele é provocar reflexão”.
É por essa percepção do papel educativo dos museus que as instituições ligadas ao SIMM estão trabalhando para aproximar o público estudantil, segundo Dayseane. Ela informou que o SIMM está trabalhando para levar conteúdos para as escolas de tempo integral no Pará, em uma parceria entre as secretarias estaduais de Cultura e Educação, a partir de um projeto do Ministério da Cultura, o “Mais Cultura na Escola”.
“Houve uma percepção que, com os alunos dentro da escola o dia inteiro, eles acabam não vivenciando outros espaços”, disse Dayseane, completando que atualmente os museus do Estado recebem cerca de 5 mil estudantes por mês.
Como arrematou a artista visual Evna Moura, que mediou o debate, é impossível desatrelar os museus da responsabilidade de contribuir para a construção de mentes críticas e um pensamento de futuro.
“Vivi no ambiente de museus desde criança. Vivi minha infância visitando o Museu do Marajó e para mim aquele era um espaço maravilhoso. Também fiz parte, recentemente, da equipe de implementação do Museu das Amazônias. Temos grande responsabilidade na construção de um pensamento socioambiental crítico”.
O 4º Fórum Circular – Patrimônio, Clima e Sustentabilidade foi realizada pela Associação Circular, com patrocínio master da Lojas Renner S.A., e apoio da UFPA – Fórum Landi e ICA, e do Governo do Estado, por meio da Fundação Cultural do Pará – Casa da Linguagem. Nos próximos dias, será divulgado um documento com o resumo dos debates e proposições a partir das mesas de debates.
Texto: Aline Monteiro
Edição: Luciana Medeiros
Fotos: Aryanne Almeida