Feriado municipal, reunião da Cúpula de Líderes, em Belém, hoje (6/11) e amanhã (7/11), antecedendo os dias da conferência principal, agendada para o período de 10 a 21 de novembro. A Cúpula de Líderes reúne chefes de Estado e de governo de diversos países para iniciar os debates e alinhar as prioridades para a COP 30
A maior discussão global sobre o tema vai gerar os compromissos oficiais entre os países das Nações Unidas para o enfrentamento dos impactos das alterações climáticas. Mas o quanto estamos conscientes e envolvidos com tudo isso?
A pauta esteve em debate no 4º Fórum Circular: Patrimônio, Clima e Sustentabilidade, na última sexta-feira, 31 de outubro, na Casa da Linguagem, durante a mesa “Impacto das Mudanças Climáticas nas Cidades Amazônicas”, mediada pela jornalista Ivana Oliveira, professora da Universidade da Amazônia.
Participando de COPs desde 2009, a pesquisadora Brenda Brito, do Imazon, alertou que o aumento da temperatura média global – que subiu 1,24°C acima da era pré-industrial entre 2015 e 2024, segundo dados divulgados este ano pelos Indicadores das Alterações Climáticas Globais – pode parecer pouco, mas é extremamente alarmante.
Essa é uma média global, mas segundo Brenda, há regiões amazônicas em que esse aumento foi de 5°C. “E quando a gente olha o cenário, começa a ver eventos climáticos mais intensos, chuvas mais intensas, vendavais, estações secas mais prolongadas que causam muitos impactos no dia a dia para as cidades”, disse.
Brenda usou como exemplo as enchentes, especialmente em regiões com baixo saneamento que, de acordo com a pesquisadora, “trazem um impacto na saúde pública, com doenças causadas pelo contato com águas contaminadas, com impactos sobre as pessoas idosas, com problemas cardiovasculares, neurológicos, doenças como dengue”.
Na Islândia, acrescentou, “que é um país superfrio, encontraram recentemente um mosquito, pela primeira vez na história. E sabemos que os mosquitos gostam de calor.”

Pobreza e impacto das mudanças climáticas
A alimentação também é impactada pelo aumento da temperatura. “O fato de alguns produtos terem ficado bem mais caros, como o café, o feijão, o cacau, tem a ver com a quebra de safra. Está muito quente, a planta não se desenvolve bem, a produção cai. É que nem a música da Marília Mendonça, ‘todo mundo vai sofrer, ninguém vai sofrer sozinho”, continuou. Brenda.
Mas a pesquisadora alertou: as consequências vão espelhar as diferenças socioeconômicas hoje no mundo. “Aqueles países que menos contribuíram para esse cenário [os países menos industrializados e responsáveis por menos emissões de carbono] são os que mais vão sofrer, por não terem infraestrutura para enfrentar esses impactos. É por isso que as políticas sobre as mudanças climáticas precisam pensar nas desigualdades”, reforçou Brenda.
Segundo ela, o Painel Científico do Clima coloca que as regiões mais vulneráveis contabilizaram 15 vezes mais mortes relacionadas a fenômenos extremos. “Daí a importância do papel do poder público. No Pará, a gente acompanha esse debate desde o início e por enquanto a pauta da adaptação sequer entrou na agenda. Só se fala sobre mitigação e redução do desmatamento. Mas não dá para esperar uma coisa para começar a outra. A gente precisa muito de educação climática, para poder cobrar os gestores.”

Corrente viciosa e cenário local
A desigualdade social também atravessa os impactos ambientais no contexto local, como deixou claro a promotora de justiça Eliane Moreira, atuante na promotoria de Marituba especialmente com ações ambientais.
“O que está na minha mesa e nas reclamações que eu ouço todos os dias é algo sobre o que as pessoas não costumam querer falar: o lixo”. Localizado a 500 metros de áreas habitadas, o aterro tem atingido especialmente a população mais pobre e negra que mora por lá, com emissões de metano associado ao carbono, “porque a solução deles foi queimar o lixo”.
Para Eliane, isso também tem a ver com a falta de educação sobre o tema – o que leva, por exemplo, ao descarte no aterro de até 40% de materiais que deveriam ser reciclados, e à falta de cobrança da implantação de coleta seletiva no município.
“Todo estudante deveria ser levado ao aterro sanitário para ver o que acontece com o lixo que ele produz. Porque o caso do aterro de Marituba é um dos casos de racismo ambiental mais graves do país. Esse é um território subtraído à população de Marituba, que produz apenas 7% do lixo que vai para o aterro”.
Eliane Moreira também informou que mais de 70% do que chega lá é lixo de Belém, depois vem o de Ananindeua, depois o lixo de empresas particulares e por último Marituba. “Há três, quatro anos o Ministério Público cobra que esse aterro seja retirado. E agora Belém procura outros territórios fora do município para depositar seu lixo, não por acaso em cima de territórios quilombolas.”

Qual a cidade que queremos?
Membro do Comitê COP-30, Mariana Guimarães destacou que mudar o que entendemos como ideal de desenvolvimento seria desejável para chegar a um ambiente mais sustentável. A começar pela perda da relação da cidade com o rio, mas também pela ideia do asfalto e cimento como índices de desenvolvimento.
“Belém não é só rodeada de águas, é permeada também. Temos 14 bacias hidrográficas, todos esses canais que cortam a cidade, e 42 ilhas. Mas essa relação com o rio foi sendo criminalizada”, disse Mariana.
A pesquisadora informou que foram encontrados documentos do século 19 em que se proíbe, por exemplo, o banho no rio. “E, ao mesmo tempo, houve um crescimento da impermeabilização do solo com cimento e asfalto. Agora, o que se chamou de parque linear, à beira dos canais, é cimento. Não tem árvores.”
Mariana lembrou que boa parte das emissões de carbono vêm da urbanização, e que a indústria do cimento é a terceira maior emissora. “Tem a ver com essa concepção de cidade, de desenvolvimento que a gente tem. Como abrir uma estrada onde antes tinha mato, para passar carros queimando petróleo, construir prédios altos de concreto. Essa ideia de cidade faz com que os políticos, inclusive, usem asfalto como moeda de troca”.
Ela completou: A gente reclama que não tem recursos, mas Belém recebeu muitos recursos. A questão é onde investiu. Belém é uma das cidades menos arborizadas e com menos saneamento do Brasil. A gente precisa reinventar o que está vendo como uma cidade boa para se viver.”
O 4º Fórum Circular – Patrimônio, Clima e Sustentabilidade foi realizado pela Associação Circular, com patrocínio master da Lojas Renner S.A., e apoio da UFPA – Fórum Landi e ICA, e do Governo do Estado, por meio da Fundação Cultural do Pará – Casa da Linguagem.
Texto: Aline Monteiro
Edição: Luciana Medeiros
Fotos: Aryanne Almeida