Sociedade civil exige diálogo e o direito à cidade

Ao longo dos últimos 10 anos, várias iniciativas têm sido tomadas pela Câmara Municipal de forma arbitrária, desrespeitando e ferindo a legislação urbanística da cidade e indo contra a determinação de que qualquer alteração tanto do Plano diretor, quanto da Lei de Uso e Ocupação do Solo precisa ser discutida junto à sociedade.

A denúncia foi feita esta semana por movimentos e entidades da sociedade civil organizada, exigindo diálogos e audiências públicas para estas questões, exatamente o que não houve em relação ao PLC 01/2020, aprovado no apagar das luzes, ano passado, mas acertadamente vetado pelo ex-prefeito Zenaldo Coutinho.

“É muito irresponsável que esses projetos surjam sem a devida discussão. Quando você faz uma alteração na legislação urbanística de um caso como esse, que tem a ver com zoneamento, com usos permitidos ou mesmo parâmetros urbanísticos mais sérios, você não impacta um único lote, você impacta uma zona inteira, áreas inteiras da cidade porque a regra passa a valer para área toda. Isso é muito sério e grave

Para surpresa de todos, porém, o PLC voltou à pauta da Câmara de Belém, em 2021, gerando grande polêmica, indignação e manifestações de representantes da sociedade civil, que lançaram uma carta repudiando a votação, prevista para esta última terça-feira, 15 de junho.

“Na prática, as alterações previstas por esse projeto, visam primeiramente retirar qualquer restrição à instalação de grandes empreendimentos comerciais varejistas e atacadistas, incluindo depósitos, na orla da cidade, o que trará impactos ambiental, urbanístico, fundiário e infraestrutural para todo o entorno, inclusive para o Centro Histórico de Belém”, diz um dos trechos.

Votação adiada por tempo indeterminado

Uma comissão de representantes de associações e movimentos sociais que assinaram a carta foram recebidos na manhã de terça-feira (15) na Câmara Municipal pelos vereadores, antes do horário previsto para a votação. O resultado é que o presidente da casa, Zeca Pirão (MDB) anunciou o adiamento da votação e informou que uma comissão de vereadores fará um estudo mais aprofundado da questão e que não há previsão de quando o tema voltará à pauta.

“É muito irresponsável que esses projetos surjam sem a devida discussão. Quando você faz uma alteração na legislação urbanística de um caso como esse, que tem a ver com zoneamento, com usos permitidos ou mesmo parâmetros urbanísticos mais sérios, você não impacta um único lote, você impacta uma zona inteira, áreas inteiras da cidade porque a regra passa a valer para área toda. Isso é muito sério e grave”, diz Roberta Menezes Rodrigues, Profa da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFPA“.

Entre outros pontos abordados pelo PLC, está a retirada da vedação que está na lei do Plano Diretor a certos tipos de atividades na área da orla central de Belém, que vai da parte sul da Bernardo Sayão, no entorno do Centro Histórico, seguindo pela orla do Ver O Rio até a Arthur Bernardes. “Essa área central da cidade é bastante disputada por vários tipos de atividade. Entendo que seja desejável que a gente tenha intervenções que possam melhorar essas áreas, mas que proposta exatamente é essa? Melhorar de que maneira?”, questiona Roberta.

Intensificação do Tráfego e verticalização

A permissão de uso de atividades atacadistas de grande porte, numa área inadequada e indevida, como a orla da cidade, pode acarretar inúmeros transtornos. Paulo Pinho, doutor em ciências ambientais e mestre em engenharia urbana, diz que os principais impactos nestas áreas dizem respeito à intensificação do tráfego, mas que também enfraquece a economia local, afetando diretamente pequenos produtores e comerciantes. Outra preocupação com a derrubada do veto, é que isso abra precedentes para que outros projetos proponham alteração da lei sem discutir o Plano Diretor, podendo trazer riscos de uma verticalização urbana indesejável nessa orla.

“A verticalização excessiva e o aumento de gabarito próximo às áreas lindeiras aos rios, em relação ao clima, cria uma barreira contra o vento, sobrecarrega a estrutura de trânsito e drenagem, além de aumentar a produção de resíduos não recicláveis. Em questão de adensamento urbano, significa dizer que onde existiam duas, ou três casas, passem a existir 60 famílias, em um único prédio, comprometendo a estrutura viária, que em Belém do Pará já apresenta grandes dificuldades, e afeta também a drenagem, devido ao aumento no volume de águas servidas, que são águas oriundas da lavagem de roupa, louça e dos banhos”, conclui Paulo Pinho.

Inconstitucionalidade

No que depender da sociedade civil e de outras instituições, o PLC 01/2020 não volta mais à plenária. Na carta, é denunciado como uma grave ilegalidade contra o Estatuto da Cidade (Lei Nacional 10.257/2001), a Lei Orgânica do Município de Belém e a própria Constituição da República. Até os Ministérios Públicos Estadual e Federal apontaram Inconstitucionalidade por vício no processo legislativo e recomendaram o arquivamento do PLC 01/2020.

A OAB – Ordem dos Advogados do Brasil e o Conselho de Arquitetura e Urbanismo – CAU também são contrários às propostas de alteração na legislação urbanística de Belém, encaminhadas pela Câmara, sem a participação do Poder Executivo e prescindindo da participação social e de estudos técnicos.

Assinam a carta, a Associação dos Amigos do Patrimônio de Belém – AAPBEL; Fórum Permanente de Entidades de Defesa do Patrimônio Brasileiro – Pará Associação Cidade Velha, Cidade Viva – CIVViva; Conselho Municipal de Políticas Culturais de Belém; União Nacional de Luta pela Moradia – UNMP/Pará; Movimento Nacional de Luta pela Moradia – MNLM/Pará; Coletivo Cultural Idéias Aí; Confederação Nacional das Associações de Moradores – CONAM Central dos Moradores Populares – CMP; Instituto Amazônico de Planejamento Gestão Urbana e Ambiental Movimento Popular da Juventude; Movimento de Luta dos Bairros e Favelas – MLB Instituto de Cultura Popular TAMBOR; Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia – MAMA e Movimento de Mulheres do Tapanã.

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